Com 45,5 mil habitantes, o município de São Gabriel da Cachoeira (AM), situado no noroeste do Brasil, em uma região fronteiriça com Colômbia e Venezuela, é conhecido como o município mais indígena do país. Cerca de 90% de sua população é composta por povos nativos. Apesar da grande distância entre a localidade e o Distrito Federal, ambos se conectam neste momento de combate ao novo coronavírus por meio da Sala de Situação da Universidade de Brasília.
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Essa ponte foi feita por Luiz Penha, biólogo da etnia Tukano formado pela UnB – foi da primeira turma de indígenas de Ciências Biológicas em 2006 e finalizou o curso em 2011. Após concluir a graduação, ele retornou a São Gabriel da Cachoeira. Fez mestrado em Saúde Pública pela Fiocruz Amazônia e hoje é voluntário que atua em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde e o Distrito Sanitário Especial Indígena do Alto Rio Negro (DSEI-ARN), responsável pela área indígena.
“O contato se deu pela parceria do Alessandro Igor Lopes, da ProEpi (Associação de Profissionais de Epidemiologia de Campo, com sede em Brasília), que também faz parte da Sala de Situação da UnB. Essa ponte, apesar de muito distante, tem sido importante”, conta o indígena.
Penha lembra que a atuação conjunta teve início a partir de uma demanda de acompanhamento de casos de covid-19 no município de São Gabriel da Cachoeira, e a Sala de Situação desde então tem dado suporte na confecção de mapas georreferenciados dos casos confirmados.
“Hoje produzimos mapas de casos confirmados de covid-19 no município, tanto no perímetro urbano como na área indígena, que tornam a situação mais visível e têm sido utilizados para o direcionamento das ações de combate à doença no município de São Gabriel e também na área indígena da região do Alto Rio Negro. Tem sido fundamental a parceria”, avalia.
Com o apoio dos diversos mapas produzidos, o Comitê Interinstitucional de Combate à Covid-19 do município toma as medidas que julgar mais pertinentes.
“Eles tomam as decisões e buscam as parcerias. Nós, profissionais, realizamos o mapeamento para que eles possam visualizar a doença e, aí sim, tomar as decisões [ações nas aldeias, ações na área urbana, compra de insumos, equipamento de proteção individual, lockdown etc.]", conta Luiz Penha.
"Esse é o objetivo de demonstrar [visualmente] o comportamento da doença”, explica. Mas não só os mapas auxiliam o governo local na tomada de decisões no combate ao novo coronavírus. Há algumas semanas eles também contam com um painel on-line, desenvolvido com o apoio da Sala de Situação da UnB, para que o município acompanhe mais facilmente os números detectados nas aldeias, com gráficos e tabelas.
“Estamos trabalhando para atualizar ao máximo esse painel! A ideia é proporcionar um acompanhamento diário dos casos de forma dinâmica”, pontua. Penha ressalta que, embora os dados sejam coletados diariamente, eles são consolidados e atualizados uma vez por semana no painel on-line, devido a todas as dificuldades – tecnológicas e de deslocamento – encontradas na região.
De acordo com os dados mais atualizados do Relatório de situação da COVID-19 – Distrito Sanitário Especial Indígena Alto Rio Negro, de 29 de junho, dos 315 casos registrados nas aldeias de São Gabriel da Cachoeira, 51,4% eram mulheres. Entre estas, há quatro gestantes. Duas faixas etárias destacam-se como as mais atingidas: entre 40 e 59 anos (97 casos) e entre 20 e 39 anos (83) de idade.
Das 23 etnias existentes na região, a de Luiz Penha, tukano, é a que registra maior incidência da doença, com 72 casos, seguida por tariana (66) e baré (41). Entre os 25 polos base – referência para que as Equipes Multidisciplinares de Saúde Indígena (EMSI) levem serviços de atenção básica à saúde nas comunidades indígenas –, o de Iauaretê é o que tem número mais alto de incidências: 150.
Luiz Penha também exemplifica como consequências desses estudos o direcionamento de ações, o planejamento dos profissionais e a priorização de determinados bairros. “A visualização espacial dos casos faz diferença na hora de discutir todo o processo de planejamento”, avalia.
“Parcerias como essas são fundamentais, principalmente em áreas longínquas, onde muitas vezes nós, profissionais, não podemos ter diálogos e parcerias, devido à distância. Porém, apesar das dificuldades, o trabalho está caminhando e espero que isso possa se ampliar, pois é uma necessidade real em diversos municípios brasileiros”, completa o indígena egresso da UnB.
“Estamos seguindo as demandas deles para aprimorar o entendimento dessa realidade. Não é somente esse tipo de informação que irá permitir o controle da epidemia, mas ao menos vão entender melhor a situação. Nosso papel é apoiar os territórios”, afirma Jonas Brant, professor da Faculdade de Ciências da Saúde (FS) da UnB e epidemiologista responsável pela Sala de Situação da Universidade.
AM-DF – O contato entre Luiz Penha, que está no estado do Amazonas, e a Sala de Situação da UnB foi feito quando o indígena conheceu Alessandro Igor Lopes, estudante do sétimo semestre do curso de Geografia da Universidade que integra a Sala há três anos e, simultaneamente, faz parte da Associação Brasileira de Profissionais de Epidemiologia de Campo (ProEpi). A entidade sem fins lucrativos busca unir profissionais de saúde para trocas de ideias e aperfeiçoamento profissional.
“O Luiz estava precisando de dados para praticar análises e, após um tempo, voltou a entrar em contato para auxiliar na espacialização dos casos de covid-19. Na sequência, o professor Jonas, junto com a equipe, entrou em contato para consolidar a parceria, oferecendo mais ferramentas para entender a difusão da covid no município”, recorda Alessandro Igor.
“Como o professor Jonas gosta de falar, fazemos um trabalho de formiguinha, ajudando de pouco em pouco nesse momento. Não conseguimos mudar o mundo, mas contribuir com os municípios tem feito a diferença. Então, como estudante, poder participar desse trabalho está sendo muito enriquecedor”, declara.
O aluno de geografia elabora os mapas georreferenciados junto com Luiz Penha e outras duas enfermeiras da região. “A geografia e a saúde são complementares, pois as doenças presentes em um local têm ligação direta com como esse território está no momento, pelo menos eu vejo assim. As doenças são um reflexo de o quanto esse território é vulnerável”, analisa Alessandro Igor.
“Como todo estudante, a gente se questiona se está no curso certo. Ainda hoje, acredito que escolhi a geografia, mas ela também me escolheu. Tudo o que aprendi até o momento vem contribuindo muito: como geografia urbana, para entender a organização espacial das cidades; e a climatologia, para entender a dinâmica do tempo em diversos municípios", pontua o graduando.
ALÉM DAS ALDEIAS – Em todo o município de São Gabriel da Cachoeira, os números da covid-19 seguem em alta. De acordo com a Secretaria Municipal de Saúde (Semsa), em 30 de junho havia 2.710 casos confirmados da doença, 44 óbitos e 172 pacientes em monitoramento. Até esta data, 2.484 estavam recuperados. Dos 315 indígenas que testaram positivo para a enfermidade desde o final de abril, 82 se recuperaram e dez vieram a óbito.
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