SÉRIE DIREITOS HUMANOS

Curso de mestrado atua há mais de uma década na promoção de diálogo entre saberes técnico-científicos e oriundos de contextos comunitários

A temática dos direitos humanos está sempre pulsando na Universidade de Brasília. Em 27 de março, o ministro da pasta no governo federal, Silvio Almeida, abriu o semestre letivo no #InspiraUnB. Em 2022, foram instituídas a Câmara e a Secretaria de Direitos Humanos (SDH), para liderar as ações institucionais relacionadas ao assunto, debaixo da Política de Direitos Humanos da Universidade. Os Prêmios Anísio Teixeira e Mireya Suárez reconheceram iniciativas da comunidade acadêmica que promovem os direitos humanos. Nesta série de reportagens, você lê detalhes sobre cada um desses projetos vencedores. O último material é sobre o Mestrado Profissional em Sustentabilidade junto a Povos e Terras Tradicionais (Mespt).

Cristiane Portela, coordenadora do Mespt (agachada à esquerda), junto com integrantes da sexta turma do mestrado. Foto: Arquivo pessoal

 

Promover o intercâmbio entre saberes acadêmicos e tradicionais e contribuir na formação de profissionais atuantes em pesquisas e práticas voltadas à valorização da sociobiodiversidade e das culturas de povos tradicionais, ao fortalecimento da autogestão de seus territórios e de processos sustentáveis e à defesa dos direitos dessas comunidades. Estas são premissas do Mestrado Profissional em Sustentabilidade junto a Povos e Terras Tradicionais (Mespt), cujas atividades são voltadas a profissionais indígenas, quilombolas, pessoas oriundas de outras comunidades tradicionais, além de profissionais sem origem comunitária interessados em contribuir em intervenções para estas populações e seus territórios.

O Mespt foi laureado em 2022 como hors-concours no Prêmio Anual de Direitos Humanos Anísio Teixeira. O reconhecimento é concedido a iniciativas que, caracterizadas como excepcionais, não competem com as demais, por fatores como maior investimento, alcance, complexidade e infraestrutura, por exemplo.

“Nos inscrevemos na categoria Igualdade, Diversidade e Não Discriminação do Prêmio Anísio Teixeira, entendendo que o Mespt tem como pilares estes três eixos que a nomeiam. Mas, o reconhecimento hors-concours nos deixou muito surpresas e honradas, pois entendemos que nos situa dentro de todas as frentes [do prêmio]: Igualdade, Diversidade e Não DiscriminaçãoSaúde, Meio Ambiente e Bem-estar; e Democracia e Participação”, afirma Stéphanie Nasuti, uma das coordenadoras do Mespt, mencionando o sobressalto partilhado com a também gestora do Mespt Cristiane Portela.

Criado em 2010, o curso integra o Programa de Pós-Graduação em Sustentabilidade junto a Povos e Territórios Tradicionais (PPG-PCTs) e resulta do trabalho em rede entre Centro de Desenvolvimento Sustentável (CDS), unidade que o acolheu inicialmente, Departamento de Antropologia (DAN) do Instituto de Ciências Sociais (ICS), Faculdade de Educação (FE) e Faculdade UnB Planaltina (FUP). Também compõem o quadro do mestrado professores do Instituto de Ciências Humanas (ICH), vinculados aos cursos de História e Filosofia, e do curso de Nutrição da Faculdade de Ciências da Saúde (FS).

“Trata-se de um programa de mestrado intercultural e de caráter eminentemente interdisciplinar. O curso apresenta-se como uma proposta baseada na somatória de esforços, expertises e infraestrutura de várias unidades acadêmicas da UnB, estruturando-se hoje como um curso interunidades”, diz Cristiane Portela, também coordenadora do mestrado.

A comunidade do Mespt é composta, hoje, por mais de 150 pessoas, desde docentes, estudantes e egressos até parceiros e aliados que atuam em pautas afins. Até então, a iniciativa já formou 88 mestres nas quatro primeiras turmas do curso, e outros 16 alunos estão concluindo o mestrado. Em 2022, 16 pessoas ingressaram na sexta turma e 17 foram aprovados para ingresso no primeiro semestre de 2023.

Particularidades que comprovam a amplitude do programa são o fato dos estudantes serem de diferentes lugares do país e também as relações com universidades mexicanas, surinamesas, peruanas e francesas.

“Nossos estudantes vêm de territórios indígenas de 26 povos, nas cinco regiões do país. Também se originam de territórios quilombolas de nove estados, além de comunidades maroons do Suriname, extrativistas, ribeirinhas, de terreiros, pomeranas, de quebradeiras de coco, entre outros”, detalha Stéphanie Nasuti.

Cristiane Portela pontua que o mestrado cumpre um papel importante ao contribuir na formação da intelectualidade vinda desses territórios e de profissionais aliados a esse campo. Isso porque atua indicando caminhos para as políticas públicas e desconstrói estereótipos que ainda existem em nossa sociedade em relação à diversidade de seus povos e territórios tradicionais.

“Ao longo desses 12 anos, nossas preocupações tiveram como locus central os territórios, principalmente os tradicionais, ameaçados por uma série de fatores”, salienta. “O Mespt é um espaço de diálogo simétrico e construção colaborativa entre a universidade e as comunidades tradicionais”, esclarece a coordenadora.


DIVERSIDADE NA PÓS-GRADUAÇÃO – As pesquisas desenvolvidas no Mespt recobrem uma grande diversidade de territórios, contextos comunitários e institucionais. Das 88 dissertações defendidas no mestrado, 66 foram produzidas por pesquisadores oriundos de comunidades tradicionais. Destas, 55% são relacionadas ao acesso a territórios tradicionais, conflitos socioambientais e à gestão ambiental e territorial; 35% estão atreladas a temas como educação intercultural, práticas associadas e outras epistemologias; e 15% dedicaram-se a práticas de cuidado e sistema agroalimentar.

Stéphanie Nasuti faz gestão compartilhada com Cristiane Portela na coordenação do Mespt. Foto: Arquivo pessoal


“Nossos egressos têm seguido trajetórias diversas, mas, em todos os casos, esses sujeitos têm buscado repercutir a formação recebida e aplicar os conhecimentos produzidos em seus contextos de atuação profissional. Até o momento, 21 seguiram para o doutorado”, relata Stéphanie Nasuti.

Elionice Sacramento é uma das egressas do programa e vive no Quilombo Pesqueiro de Conceição de Salinas, localizado no Recôncavo Baiano, em Salinas das Margaridas. Para ela, o Mespt “incentiva os alunos a pensarem fora do padrão, assumir seu local de fala e entender sua ancestralidade”.

“Vivemos um tempo em que a ciência vem sendo questionada. Então, uma pós-graduação que traz sustentabilidade em povos e comunidades tradicionais diz muito sobre as mudanças que a UnB vem enfrentando ao sair de um lugar elitista para ter uma cara mais plural”, defende a intelectual marisqueira.

“Eu conheci o Mespt já no primeiro edital, mas só me inscrevi na terceira turma, pois estava distante da universidade, me formei em 1986. Eu sabia que meu estudo não era possível em outros programas”, conta Durica Almeida, pesquisadora do Carmo do Macacoari, comunidade negra rural do Amapá.

“Hoje eu sou vista como referência de mulher negra na Amazônia e trago uma releitura da nossa invisibilidade na história oficial”, conta Durica. Segundo ela, o Mespt é um instrumento de ligação que permite que pessoas das comunidades tradicional, quilombola e indígena possam estudar as temáticas ligadas às suas populações.

PARCERIAS – Ao longo da trajetória do Mespt, foram estabelecidas diversas parcerias com universidades brasileiras e estrangeiras, além de institutos de pesquisa, órgãos de governo e organizações da sociedade civil. Entre as colaborações, estão dois acordos de cooperação acadêmica, científica e cultural firmados com a Universidad Veracruzana (UV), no México, e com a Universidade Anton de Kom, no Suriname.

Também ocorreram interações, para a organização conjunta de ações, com a Articulação do Povos Indígenas do Brasil (Apib), o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), o Conselho Nacional de Seringueiros (CNS), a Coordenação Nacional de Comunidades Quilombolas (Conaq), o Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), o Instituto Socioambiental (ISA) e a Rede Cerrado.

PRÊMIO – O Prêmio Anual de Direitos Humanos Anísio Teixeira reconhece ações de excelência realizadas no ensino, na pesquisa e na extensão universitária. São três categorias: Igualdade, Diversidade e Não DiscriminaçãoSaúde, Meio Ambiente e Bem-estar; e Democracia e Participação. Na edição de 2022, os projetos vencedores em cada área, respectivamente, foram: Negras Antropologias: promovendo epistemologias antirracistas e o protagonismo negro na produção do conhecimento antropológicoCravinas – prática em direitos humanos e direitos sexuais e reprodutivos durante a pandemia de covid-19; e Se o grileiro vem, pedra vai: pra todo mundo ouvir. O Mespt foi reconhecimento como hors-concours.

 

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