Em celebração ao Mês da Mulher, a Secretaria de Comunicação (Secom) da UnB publica uma série para homenagear aquelas que contribuem para fortalecer o ensino, a pesquisa, a extensão e a gestão da instituição durante a pandemia de covid-19. A segunda matéria exalta a importância da atuação feminina na ciência, ao cumprir preponderante papel social na produção de conhecimento e servir de inspiração para as próximas gerações.
Historicamente, as mulheres estiveram à margem de reconhecimento em diferentes núcleos sociais. No campo científico, não foi diferente. As grandes descobertas mais reconhecidas são creditadas a pesquisadores homens, ainda que trabalhos importantes tenham tido a participação ativa de mulheres.
Em 2020, a pandemia de covid-19 ganhou os holofotes em todo o mundo e, desde então, a intensa cobertura científica e de gestão em saúde vem destacando a atuação de inúmeras pesquisadoras no cenário nacional. Basta lembrar das brasileiras que lideraram o sequenciamento do genoma do novo coronavírus em apenas 48 horas após a confirmação do primeiro caso da doença no país.
Sendo uma das instituições que têm contribuído para a difusão de conhecimento em saúde pública, a Universidade de Brasília tem divulgado estudos e projetos, muitos dos quais protagonizados por cientistas mulheres. Um exemplo é a pesquisa em parceria com o Hospital Universitário de Brasília (HUB) e a Secretaria de Saúde (SES-DF) com gestantes que tiveram diagnóstico confirmado de covid-19. O estudo é coordenado pela pesquisadora Licia Mota, médica reumatologista do HUB e docente do Programa de Pós-Graduação em Ciências Médicas da UnB.
Com o objetivo de levantar informações e analisar os efeitos do vírus durante gestação, parto, puerpério e no recém-nascido, foram criados dois ambulatórios para atendimento, que conta com avaliação multiprofissional. A estimativa é que o estudo tenha a participação de 300 mulheres e recém-nascidos. Até o momento, ele já conta com 128 gestantes e 75 bebês.
“Há a preocupação com o lado humano também para que essas mães possam receber acolhimento em um momento de muita incerteza e angústia”, destaca Licia Mota. Em sua visão, não é possível dissociar o olhar humano do científico: “Como mulher e mãe, eu me coloco no lugar delas, de passar por uma gestação com a possibilidade de infecção por um vírus que ainda pouco se conhece e que pode ser letal”.
FOCO FEMININO – Com várias frentes de trabalho, a pesquisa Cartografia da covid-19 e a mulher no DF faz a captação e modelagem dos dados oficiais sobre a pandemia tendo como recorte as mulheres. “O entrelaçamento dos números com diversos enfoques é o direcionamento de pesquisas de iniciação científica em andamento, uma vez que o grupo se organiza de forma horizontal, o que permite o olhar crítico coletivo”, assegura a pesquisadora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) Maribel Fuentes, coordenadora do estudo.
A pesquisadora conta qual foi a forma escolhida para divulgar dados da pesquisa em pequenas doses e de maneira acessível. "A cada semana, uma pauta diferente é discutida por todas, trabalhada pela equipe de comunicação e postada em nosso perfil social [no Instagram] @amarelinhaobservatorio." O Observatório Amar.é.linha é um laboratório de estudos feministas ligado à FAU.
Maribel Fuentes acredita que o fato de a equipe ser composta em sua maioria de mulheres decorre de um processo natural de identificação com o projeto. “Quando a pandemia começou, parte do grupo já estava mobilizada em debates e, com o isolamento social, a questão da sobrecarga feminina despontou”, sintetiza a pesquisadora.
A preocupação de contextualizar a covid-19 à realidade no Distrito Federal tem fundamento, uma vez que elas verificaram que, desde maio, os casos de mulheres contaminadas são maiores que os de homens. “No geral, não é assim. Isso é um indicativo que relaciona as mulheres a sua localidade, seus deslocamentos, seu trabalho. Outra questão importante é que entre as cidades com maior índice de contaminação estão aquelas onde as mulheres são maioria como chefes de família”, alega Fuentes.
NOVAS DESCOBERTAS – A pesquisa do Laboratório de Imunologia e Inflamação (Limi) da UnB que identificou os principais agravantes da covid-19 em pacientes obesos – a hipercoagulação e a inflamação – tem obtido novos dados. “Um dos achados recentes é que pacientes jovens, entre 20 e 40 anos de idade, que apresentem mortalidade, têm obesidade”, revela a coordenadora do Limi, professora Kelly Magalhães.
A partir dessa perspectiva, a obesidade mostra-se, de fato, como uma comorbidade importante para se observar as mortes por covid-19. “Em pacientes jovens que estão morrendo ou apresentando covid-19 severa, ou seja, com necessidade de internação ou ventilação mecânica, um dos fatores em comum que observamos é a obesidade, e consequentemente, maior presença de fatores de coagulação sanguínea e de hiperinflamação”, aponta.
A gravidade nesses pacientes deve-se ao fato da maior probabilidade de formar trombos sanguíneos. Por se tratar de um projeto contextualizado na realidade atual, a expectativa é poder contribuir com a diminuição da taxa de mortalidade e internação de pessoas obesas pela covid-19.
“Estamos vendo acontecer essa mortalidade nesses indivíduos jovens e tentando entender o porquê desse agravamento. Identificando quais são esses fatores, vamos poder apontar alvos farmacológicos terapêuticos para essas vias de hiperinflamação que podem ser muito importantes para o tratamento dessa doença, no tempo certo, no momento certo, com o alvo certo”, resume Magalhães.
Para a docente, é recompensador participar de um projeto como este, que pode ajudar a salvar vidas. A falta de financiamento, no entanto, ainda é uma das maiores dificuldades para fazer a pesquisa na velocidade ideal. “Esse é nosso calcanhar de Aquiles. A ciência infelizmente perdeu muito da disponibilidade de verbas atualmente e isso nos dificulta, considerando que é um projeto extremamente relevante para essa condição da pandemia que estamos vivendo agora”, lamenta.
MÚLTIPLO PERFIL – Desafiador foi a palavra utilizada pelas três cientistas para definir como está sendo conciliar a vida no laboratório com as outras responsabilidades. “É um equilíbrio na corda bamba”, opina Licia Mota. Ela atua na assistência, na pesquisa e na pós-graduação, orientando 15 alunos relacionados aos projetos e integrando as sociedades Brasileira e de Brasília de Reumatologia.
Com dois filhos em idade escolar, o desafio é ainda maior. “Meu marido também é médico, estamos expostos ao risco e nossas duas crianças tiveram que ficar em casa. Como não podíamos dar esse apoio, fizemos o exercício de deixar acontecer”, comenta.
Apesar das dificuldades, ela considera que houve pontos positivos: “Percebo ganho de autonomia e independência, ao assumirem o protagonismo de conseguirem resolver situações sozinhos e se ajudar mutuamente também”.
Como mãe e filha, Maribel Fuentes alterna os papéis de cuidado da casa e da família com a mãe, que tem 78 anos e já recebeu a primeira dose da vacina contra covid-19. “Eu, como tantas outras muitas mulheres que são mães, conto com uma rede de apoio feminina para poder equilibrar carreira e família”, enfatiza.
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Em sua opinião, tudo intensificou-se com a pandemia: “Como professora, pesquisadora e orientadora, a rotina do trabalho sempre esteve presente na casa. Nosso trabalho não tem horário, já era difícil estabelecer este limite antes, agora ele não existe mais. A sala de aula está na minha varanda”.
Para conseguir dar conta de todas as demandas, Kelly Magalhães, que também é mãe, admite que é preciso muito equilíbrio, mesmo sendo complicado. “Requer maior organização do nosso tempo, separação das tarefas, mas é possível conciliar sim, com qualidade, o meu tempo enquanto professora, pesquisadora, mãe e sobrevivente durante essa pandemia que estamos vivenciando."
É PRECISO MAIS – Para a coordenadora do Limi, “é cada vez mais crescente e notória a presença de mulheres ocupando cargos de destaque dentro da pesquisa, de coordenação de grupos ou chefia de laboratórios”. Ela considera, entretanto, que a sociedade ainda exige muito mais das mulheres, especialmente quanto aos serviços domésticos e as responsabilidades como mãe e chefe de família.
“O que precisa ser superado é esse ponto: as tarefas e as cobranças serem mais igualmente divididas com os homens. A gente sabe que existe também uma diferença de salários ainda gritante, mas isso tende a ser superado com o tempo, com a ocupação da mulher em altos cargos, lutando pelo seu espaço no mercado de trabalho”, sinaliza Magalhães.
Como reumatologista, Licia Mota percebe que está se formando um perfil feminino em sua área na assistência médica, mas é preciso considerar e entender certas sutilezas. “Nós, mulheres, engravidamos, precisamos nos afastar para cuidar das crianças pequenas. Há um gap [lacuna] e isso também reflete na academia”, diz.
Mesmo assim, Mota defende que os números apontam que as mulheres são tão ou até mais produtivas que os homens. “Nós estamos mostrando que somos capazes de, em meio ao caos, fazer pesquisa e apontar para a necessidade de políticas de assistência e proteção adequadas”, pontua.
Entendendo a disparidade de gênero como estrutural, Maribel Fuentes argumenta que se trata de um problema que não se resolve de um dia para o outro. “Mas, surpreendentemente, na pandemia tivemos em evidência muitas colegas da área da saúde, epidemiologistas, médicas”, contrapõe.
No caso da UnB, do total de pesquisadores que são bolsistas de produtividade do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), 34,4% são mulheres. No nível 1A, categoria mais alta, a taxa cai para 25%. Em 2020, os decanatos de Pesquisa e Inovação (DPI) e de Extensão (DEX), junto com o Comitê de Pesquisa, Inovação e Extensão de combate à covid-19 (Copei), lançaram edital para viabilizar a execução de projetos de pesquisas científicas, tecnológicas, de inovação e de extensão relacionados à covid-19.
“Graças ao entendimento da nossa decana de Pesquisa e Inovação e de nossa reitora, ambas mulheres, o edital foi aberto para pesquisas de todas as áreas do conhecimento, ampliando e incluindo a nossa participação. As questões a serem superadas são muitas, mas nós precisamos continuar lutando por uma universidade mais inclusiva a todas e todos”, pontua Fuentes.
A UnB QUEM FAZ É A GENTE – Ao longo de março, a Universidade Brasília (UnB) e o Instituto Federal de Brasília (IFB) realizam programação unificada para homenagear, discutir e relembrar o protagonismo das mulheres na ciência e na sociedade: é o Mês da Reflexão.
>> Confira a programação #8MUnB para todo o mês de março
As atividades também integram as ações institucionais no âmbito da campanha A UnB quem faz é a gente. A estratégia de comunicação busca reconhecer, valorizar e incentivar a atuação coletiva na superação dos desafios no atual momento de pandemia de covid-19, bem como reunir informações sobre iniciativas, programas e serviços para orientar os segmentos universitários nestes novos tempos.
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