No início de julho, o Ministério da Educação (MEC) lançou a Proposta de Currículo para o Ensino de Português Escrito como Segunda Língua para Estudantes Surdos. O currículo foi elaborado por professores e pesquisadores da Universidade de Brasília e de outras instituições de ensino superior, sob coordenação do Instituto de Letras (IL) da UnB.
O produto final do projeto consiste em uma minuta de proposta de referencial curricular para estudantes surdos, matriculados na educação bilíngue de surdos, na educação básica – contemplando educação infantil, ensino fundamental e ensino médio – e no ensino superior.
A professora Sandra Nascimento, coordenadora do trabalho, explica que a proposta demonstra o compromisso acadêmico e social dos pesquisadores envolvidos, que passaram sete meses da pandemia, entre março e setembro de 2020, reunindo-se virtualmente para a elaboração do documento.
O currículo foi montado por uma comissão de 26 pesquisadores, surdos e ouvintes, com experiência no ensino de português para surdos. Por meio desse grupo, participaram um total de 16 instituições, federais, estaduais e municipais (UnB, SEDF, UFG, UFMS, Ufac, Ufpa, Ufam, Ufba, UFU, UFMG, Ufla, Ines, Unicamp, PUC-SP, Ifsc e Ufsc).
Sandra Nascimento explica que a UnB é uma das universidades brasileiras com expressiva pesquisa acadêmica em torno dos estudos de Libras, dos estudos de aquisição linguística por surdos, do português escrito por surdos e da forma como o português é ensinado a eles. “Com a iniciativa e coordenação da proposta, a Universidade de Brasília deu mais um passo em defesa da educação bilíngue de surdos, de forma a oferecer, juntamente às demais instituições parceiras, uma contribuição efetiva à educação”, afirma a coordenadora.
Segundo o diretor do IL, professor Anderson da Mata, a iniciativa é mais um passo em direção à promoção de uma educação de qualidade para todos. “O reconhecimento da diversidade linguística dos cidadãos brasileiros fica materializado na Proposta Curricular para o Ensino de Português Escrito como Segunda Língua para Estudantes Surdos da Educação Básica e do Ensino Superior”, avalia.
NECESSIDADE – A implementação de um currículo especializado no ensino de português escrito para surdos é uma discussão há muito presente no curso de Língua de Sinais Brasileira - Português como Segunda Língua (LSB/PSL), ofertado pelo Instituto de Letras da UnB. “Fomos motivados pela unanimidade de vários pesquisadores e professores Brasil afora com relação à necessidade de se definir um currículo para atender mais adequadamente à educação bilíngue de surdos”, conta a coordenadora Sandra Nascimento.
Para a docente, a proposta é importante por ser elaborada de forma inclusiva. “Ela garante o acesso dos estudantes a algo que se baseia em um ensino planejado a partir de uma perspectiva visual, bilíngue, funcional, contextualizada, autêntica, intercultural, dialógica, multissemiótica, contrastiva, mediada pela Libras, respeitando o perfil e as especificidades de cada estudante”, enumera.
Egressa da UnB e atual docente da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), a pesquisadora surda Marisa Lima conta que enfrentou muitas dificuldades no início de sua carreira acadêmica, antes de frequentar a UnB, pois não havia intérpretes e nem conhecimento acerca da educação de surdos e surdocegos.
Para ela, a adoção da proposta é importante pois vem para suprir uma carência que já era, há muito, sentida na rede pública de ensino. “Apesar de várias publicações de propostas em forma de orientação, nunca houve nada como a cartilha”, explica. “Isso irá ampliar a qualidade de ensino significativamente e impactar os direitos das pessoas surdas e surdocegas. Sabemos que [estudantes surdos e surdocegos] são privados de uma aprendizagem eficiente, pois são apresentados a uma educação monolíngue, com a Língua Portuguesa como primeiro idioma.”
Sendo assim, Marisa Lima defende que o português escrito deve ser ensinado a esse grupo a partir de sua língua principal, Libras, valorizando os aspectos linguísticos e culturais inerentes a ela. “A proposta poderá promover mudanças na metodologia e didática adotada pelos professores. Hoje os materiais e conteúdo de ensino de português voltados para os alunos surdos são quase nulos, e uns poucos que existem são voltados para as séries iniciais do ensino fundamental”, observa.
O amadurecimento dessas ideias foi o que possibilitou que a equipe de professores do curso fosse contatada pelo MEC para o desenvolvimento conjunto da proposta. “O fato de o Instituto de Letras participar de forma ativa da iniciativa reforça a relevância acadêmica e social, indissociáveis do nosso ponto de vista, do trabalho que a UnB desenvolve na sociedade brasileira”, avalia o diretor Anderson da Mata.
Decana de administração da UnB, a professora Rozana Naves era diretora do IL quando as tratativas com o MEC começaram. Ela reafirma a importância da iniciativa. "É um projeto de grande relevância para a educação de surdos no DF e no Brasil, liderado pela UnB, que tem uma longa tradição nos estudos sobre o papel do português como segunda língua para a inclusão efetiva de surdos na educação básica e superior."
>> Relembre: UnB participa de iniciativa para curricularização da educação bilíngue de surdos
ESTRUTURA – No total, foram seis cadernos produzidos para o projeto: o Introdutório, que apresenta a teoria e metodologia da proposta; os Cadernos I e II, que trazem a proposta curricular para alunos de um ano e sete meses a cinco anos e do primeiro ao quinto ano, e do primeiro segmento da Educação de Jovens e Adultos (EJA), respectivamente; o Caderno III, para alunos do do sexto ao nono ano do ensino fundamental e do segundo segmento do EJA; o Caderno IV, para estudantes do ensino médio e do terceiro segmento do EJA e o Caderno V, destinado ao ensino superior.
Para Anderson da Mata, a publicação dos cadernos é motivo de orgulho “pois o envolvimento e liderança dos professores e pesquisadores da casa foram fundamentais para a construção do documento”. “É uma proposta de trabalho, pois abrange o ensino superior e surge como uma orientação para a própria equipe de ensino de português para surdos, e um documento relevante para as demais unidades da universidade que têm recebido de forma crescente estudantes surdos”.
Tendo sido publicada e gratuitamente divulgada pelo site do MEC, a proposta já está disponível para os estados e municípios que quiserem adotá-la. “Não sabemos quais serão os próximos passos a serem dados pelo Ministério da Educação. Como se trata de uma proposta, não é impositiva”, lembra a coordenadora Sandra Nascimento.
Para divulgação mais detalhada da proposta, estão agendadas quatro lives com os autores do currículo nos dias 21 e 28 de julho, 4, 11 e 18 de agosto. Os eventos são transmitidos pelo canal no YouTube do Curso Práticas para o Ensino de Português como Segunda Língua para Surdos, oferecido pela UnB em parceria com a Diretoria de Política de Educação Bilíngue de Surdos (Dipebs/MEC).
*estagiária de Jornalismo na Secom/UnB.
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