O projeto Eight: Aprendendo de forma criativa e passando adiante em oito minutos, criado pelo professor de engenharia Ricardo Fragelli, da Faculdade UnB Gama (FGA), venceu o 24º Prêmio Top Educacional Professor Mário Palmério. Concedida pela Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (Abmes), a premiação tem o objetivo de fomentar ações inovadoras no campo da educação. A iniciativa da UnB foi escolhida entre 120 de todo o Brasil e trata-se da aplicação de metodologia baseada em aprendizagem ativa e colaborativa por meio de talk shows.
Criado em 2018, o Eight é guiado pelo preceito de despertar o interesse dos estudantes nos conteúdos ministrados em classe. O projeto foi testado em seis turmas do curso de Engenharia da FGA, sendo duas remotas, na disciplina Introdução à Engenharia, e em uma turma do curso de Enfermagem da Faculdade de Ciências da Saúde (FS), na disciplina Tecnologia da Educação em Saúde. A atividade na Enfermagem foi ministrada em 2018 por Thaís Fragelli, esposa do professor e atualmente especialista em saúde da Secretaria de Educação do Distrito Federal (SEEDF). O prêmio da Abmes é compartilhado com a docente, como colaboradora do projeto.
A metodologia estimula o desenvolvimento de habilidades interpessoais, intrapessoais e até empreendedoras. “A principal motivação foi criar aulas mais interessantes e com significado, mostrando que seria possível realizar grandes feitos por meio do trabalho colaborativo e de uma estrutura pedagógica bem planejada”, explica Ricardo Fragelli sobre como a proposta surgiu.
No Eight, os alunos assumem o protagonismo no processo de ensino e aprendizagem ao se responsabilizarem pelo desenvolvimento de todas as atividades propostas nas aulas, cabendo ao professor o papel de apenas organizá-las e coordená-las. A turma é dividida em grupos, cada um com funções específicas. Ao longo do semestre, os estudantes têm contato com atividades dinâmicas, como edição de vídeos, talk shows, desafios gamificados, além de visitas a instituições de diferentes categorias – realizadas de forma virtual durante a pandemia.
“Cada aula é uma surpresa, sendo as primeiras com desafios gamificados. Os estudantes possuem uma meta para cumprir e são cada vez mais responsáveis pela própria construção das aulas”, conta Ricardo Fragelli.
Após a definição do tema de aprendizado do semestre, o que guiará a aplicação do Eight na turma será o talk show inicial, uma mesa-redonda sobre o assunto central das aulas mediada pelo professor e formada por dois estudantes veteranos e dois especialistas. O debate é estimulado com vídeos produzidos pelos estudantes em visitas técnicas realizadas a empresas e órgãos que atuam com a temática abordada.
Os graduandos também têm a oportunidade de realizar encontros com projetos sociais, organizações não governamentais (ONGs), escolas, hospitais e outras instituições, com o objetivo de desenvolver propostas de intervenção para problemas identificados nesses locais. A solução deve, de forma obrigatória, funcionar mesmo com a ausência dos estudantes. Um exemplo de projeto desenvolvido para contribuir com a comunidade foi a confecção de um suporte de guarda-chuva para cadeirantes feito com canos PVC.
Ao final da disciplina, no Evento Eight, os discentes têm até oito minutos de apresentação – daí o nome da metodologia – para sintetizar o aprendizado e correlacionar com a sua própria história de vida.
Também organizado pelos estudantes, o evento para encerrar a disciplina é aberto à comunidade. Durante o ensino remoto emergencial na UnB, a atividade tem ocorrido totalmente on-line. As apresentações finais que cumprirem requisitos de qualidade técnica – de áudio e de luz – são publicadas no canal do Eight no YouTube.
Como as atividades desenvolvidas são inter-relacionadas e interdependentes, o professor Fragelli avalia que isso resulta no estímulo para que os seus alunos tenham mais liberdade, autonomia e responsabilidade. Segundo ele, é o que faz com que seja possível produzir felicidade, motivação e, principalmente, aprendizado.
“Os principais motivadores do Eight para um estudante são ter curiosidade pela aula, perceber a evolução durante o semestre, receber feedback sobre o que se produz, influenciar na própria construção da disciplina, sentir-se pertencente ao grupo, sentir-se proprietário das aulas, ter influência social, envolver-se em missões bem definidas, ser instigado por aulas desafiadoras e, principalmente, perceber-se parte de algo maior”, opina.
PRÊMIO – Na edição 2015-2016 do prêmio da Abmes, Ricardo Fragelli recebeu menção honrosa por outra metodologia, o Trezentos. Agora, cinco anos depois, ocupa o primeiro lugar com o Eight. A cerimônia on-line de premiação será em agosto, em um evento comemorativo dos 39 anos da Associação. Desta vez, além de receber R$ 15 mil, o coordenador do projeto vencedor pode publicar um artigo no periódico Abmes Cadernos, oportunidade que ajuda a ampliar a visibilidade da iniciativa em outras instituições de ensino superior (IES) do país e do exterior.
“Os professores sempre trabalham sem esperar um agradecimento, mas é tão bom quando um estudante aperta a mão suja de giz de seu professor e agradece pela aula. No caso de um prêmio dessa magnitude, ilumina nossas iniciativas e possibilita novas parcerias. É uma indicação de que estamos no caminho correto”, declara o professor.
Para o prêmio, a metodologia foi avaliada quali e quantitativamente durante cinco semestres letivos, sendo o último remoto, por 519 estudantes do curso de Engenharia da FGA e por 24 do curso de Enfermagem do campus Darcy Ribeiro. Também foram avaliados depoimentos dos estudantes, em que observaram-se relatos frequentes de que a experiência foi única, desafiadora e propiciou conhecer novas pessoas, além do aprendizado de forma divertida.
Ivana Cavalcante, estudante de Engenharia Civil da Faculdade de Tecnologia da UnB, participou da primeira edição do Eight, na FGA, em 2018. Para ela, o início da vida acadêmica trouxe “frio na barriga”, por entrar em uma etapa até então desconhecida. Ela menciona que o início da trajetória na Universidade foi complicado, mas que o Eight foi uma forma de simplificar os desafios e fazer com que ela e seus colegas se sentissem pertencentes àquele espaço.
“O Eight me proporcionou aprendizado em diversas áreas, muito além do que eu pensava. Uma das principais coisas que carrego até hoje na minha vida foi ter apresentado um storytelling [narração de histórias com o uso de recursos audiovisuais] na atividade final do Eight. Isso me ajudou a desenvolver várias áreas da minha vida", relembra a estudante.
"Além disso, vale ressaltar outros aspectos, como ver a engenharia de diversas perspectivas, trabalhar em equipe, aprender a lidar com problemas e ter a autonomia para resolvê-los”, ressalta.
CRIAÇÕES – Com a conquista do primeiro lugar no 24º Prêmio Top Educacional Professor Mário Palmério, Ricardo Fragelli soma 12 títulos na área de desenvolvimento de metodologias ativas. O docente é reconhecido pela criação de outros métodos de aprendizagem, como Trezentos, Summaê e Rei e Rainha da Derivada. Em 2015, Trezentos, com nome inspirado em filme homônimo, foi considerada a melhor metodologia de apoio ao aluno do Brasil pelo Prêmio Guia do Estudante/Santander Universidades.
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Cada proposta inovadora desenvolvida por Fragelli nos últimos 20 anos envolve percepções específicas sobre o ambiente, os alunos, os colaboradores, a tecnologia e outros aspectos relacionados à educação. “O Trezentos está pautado em uma colaboração bem planejada entre estudantes, e creio que o Eight traz essa colaboração, mas com uma estratégia totalmente distinta”, ressalta o docente.
Aplicado na disciplina de Cálculo 1 do primeiro semestre de Engenharia na FGA, o Trezentos também consiste em agrupar discentes, mas de forma diferente. Os estudantes fazem uma primeira avaliação no semestre e aqueles que vão mal têm a chance de refazer a prova. Já os que tiveram bons resultados são designados a ajudar os colegas. Para isso, o professor forma grupos de forma a mesclar os alunos que alcançaram bons resultados aos que tiveram rendimento insatisfatório.
Após a segunda avaliação, o melhor desempenho do discente ajudado também faz com que os ajudantes ganhem nota extra de acordo com o nível de assistência. “Minhas metodologias são como filhos”, expõe o professor Fragelli.
REPLICAÇÃO – A metodologia Eight tem potencial para ser replicada em outras disciplinas, o que foi testado e aprovado, em 2018, em uma turma de Enfermagem na UnB sob a supervisão de Thaís Fragelli, à época professora visitante na instituição. Em 2019, a docente foi finalista do Prêmio Sebrae de Educação Empreendedora com o método, pelas contribuições para que os estudantes do curso desenvolvessem competências empreendedoras.
Segundo ela, o projeto estimula quesitos como resolução de problemas analíticos, criatividade, inovação, flexibilidade, autodireção, iniciativa, comunicação, adaptabilidade, pensamento crítico e colaboração.
“Quando eu preparo uma aula, sempre me coloco no lugar do estudante, e penso: será que eu assistiria minha aula até o final? Se a resposta for não, eu repenso a aula. Sempre foi assim. Gosto de assuntos contextualizados, aplicáveis, e com as metodologias ativas, posso ir além da teoria, que é muito importante, mas dentro do processo de aprendizado é muito complicado reter informações puramente teóricas e descontextualizadas”, compartilha.
João Guilherme Alves, estudante de Enfermagem da UnB, foi aluno de Thaís Fragelli em 2018 e vivenciou a experiência com o projeto Eight no terceiro semestre da graduação. Ele assegura o resultado positivo para seu aprendizado.
“Eu sempre gostei muito de meios alternativos de aprender e a disciplina abordou exatamente isso. Para mim, o Eight foi um apanhado geral de todo o processo de ensino durante o semestre, que inclusive levo pra minha vida até hoje. Acho que a gente sabe que a matéria foi bem aproveitada quando conseguimos aplicá-la no nosso dia a dia, e foi o que aconteceu com a disciplina”, afirma.
A apresentação final do estudante no projeto, com o tema Uma pessoa pode mudar tudo, pode ser acessada no canal do Eight no YouTube.
ENSINO REMOTO – Por conta da pandemia de covid-19, as aulas na UnB acontecem de modo remoto desde agosto de 2020. Segundo o professor Fragelli, a tecnologia facilitou e dificultou alguns aspectos da aplicação do projeto.
Nas primeiras aulas da disciplina de Introdução à Engenharia, a proposta é que os alunos participem de desafios gamificados, que envolvem, basicamente, a resolução de questões complexas, em grupo, de forma lúdica. Um deles é uma batalha medieval, usada para discutir os primórdios da engenharia militar. A atividade é realizada em duas aulas e consiste em uma espécie de xadrez com catapultas, no qual cada grupo possui funções, como engenheiro chefe, general, engenheiro, herói, chefe da infantaria, espião e multipotencial.
Durante a batalha, os alunos devem resolver alguns enigmas. Os discentes também têm que ler textos sobre a história da engenharia no mundo, no Brasil, na UnB e da atuação das mulheres na área.
Para realizar a atividade exclusivamente de forma virtual, foram necessárias algumas adequações: “Tive que programar um sistema para que mais de uma centena de estudantes pudesse trabalhar colaborativamente e em tempo real”, explica.
As visitas técnicas e propostas de intervenção também foram elaboradas via internet. De acordo com Fragelli, a adaptação também estimulou a criatividade da turma, e o grupo de monitores da disciplina foi importante para acompanhar de perto cada projeto elaborado.
Um ponto positivo para a execução à distância do Eight foi a possibilidade de participação de profissionais de várias partes do mundo. Os talk shows remotos contaram com a presença de cientistas, astronautas da National Aeronautics and Space Administration (Nasa) e professores de diferentes regiões do Brasil. O que facilitou também registrar e compartilhar os debates pelo YouTube.
No próximo semestre, com início em 19 de julho, a disciplina Introdução à Engenharia, ofertada pela FGA, será conduzida com a aplicação do projeto Eight.
*estagiária de Jornalismo na Secom/UnB
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