O doutorando em Direito, Estado e Constituição pelo Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGD) da Universidade de Brasília Lourival Ferreira de Carvalho Neto ganhou o Prêmio Ana Galano de melhor ensaio fotográfico de 2021 no 45º Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs). O mérito foi concedido pela obra Quilombismo travesti, que retrata, pela etnofotografia, o cotidiano de Jade, travesti e quilombola, na comunidade Surubiu-Açu, na região do Baixo Amazonas, em Santarém (PA).
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“A história de Jade é um testemunho necessário para os nossos tempos. A Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) estima que a expectativa de vida de uma pessoa trans/travesti brasileira é de 35 anos”, diz Lourival de Carvalho, agradecido pela homenagem.
Com 55 anos de idade, Jade trabalha como agricultora, apicultora e pescadora. Seus trabalhos comunitários vão desde a atuação como “consertadeira”, habilidade que envolve técnicas de massagens e reza em machucados musculares, até seu papel junto a uma associação local e como liderança no time de futebol comunitário. A quilombola chega a receber de 15 a 20 pessoas para “puxar/consertar” semanalmente.
De costume, acorda às quatro e meia da manhã e gosta de cantar. Sua casa fica de frente para um afluente do rio Amazonas, que encosta na construção durante o período de cheia. Como pescadora, chegou a ficar 30 horas na água na período da cheia do rio.
Lourival conta que não foi fácil acompanhar o cotidiano de sua modelo. “Precisava de fôlego e tato para não interferir na produtividade do trabalho dela, que era sempre muito alta em relação aos demais moradores. Jade é descrita como a alegria de qualquer espaço na comunidade. Quase nada inicia sem ela chegar.”
TRAJETÓRIA – Lourival iniciou seus estudos no campo de direito, gênero e sexualidades em 2012, durante a graduação no curso de Direito, na Universidade Estadual do Piauí. “Eu acompanhava um caso de uma pessoa trans na família, que envolvia muita dor, e eu próprio vivia um processo entendimento da minha própria sexualidade, como gay”, conta o doutorando.
Para ele, a pesquisa foi um espaço importante para ajudar a se encontrar: “Desde as que me tocavam no epitélio mesmo, na família, no movimento e que levei, como forma de pergunta, para o campo do conhecimento”, explica. Na graduação, Lourival realizou pesquisa sobre o direito à educação superior na experiência de pessoas travestis e transgêneros a partir do Grupo Piauiense de Transexuais e Travestis (Gptrans).
Em 2015, o estudante ingressou no Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos e Cidadania da UnB (PPGDH) e foi bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Ele conta que “a fala, a escrita e a imagem sempre foram linguagens que admirava desde criança” e que essa vivência o inspirou desde então.
“No direito, a fotografia não costuma ser explorada. Quando passei a fazer pesquisa de campo em contextos muito específicos, como comunidades rurais e ribeirinhas, por receio de ‘esquecer’ algum registro importante no diário de campo, resolvi fotografar como forma de complementar o material etnográfico e ter um material provisório, antes do texto final, para devolver à população local os registros do trabalho”, explica.
PROCESSO – “O projeto do ensaio fotográfico Quilombismo travesti, a meu ver, teve início bem antes da universidade e vai para além dela”, afirma Lourival de Carvalho. O jovem conta que conheceu Jade em 2016, mas que só teve oportunidade de retomar o contato no ano passado. O quilombo Surubiu-Açu, lar da agricultora, apicultora e pescadora, fica a cerca de cinco horas de barco de Santarém (PA).
Lourival diz que sempre gostou de conversar sobre o que estudava e que a percepção das pessoas era preciosa. Isso o fez valorizar a troca sincera de experiências, algo que busca retratar em seu ensaio.
Para o trabalho premiado, a organização foi feita no próprio quilombo, pouco antes da realização da obra. “Achei importante que os interlocutores e as interlocutoras do trabalho, sobretudo Jade, pudessem partilhar desse momento”, aponta o doutorando.
RECONHECIMENTO – Após concluir os registros, Lourival de Carvalho conta que, junto com outras pessoas do quilombo, armou uma rede de pesca, decorou com girassóis e pendurou as fotos do ensaio com prendedores de roupa, distribuindo-as no final. Tudo aconteceu durante uma partida de bingo comunitário.
“Penso que o valor do reconhecimento de dentro, de quem construiu a pesquisa comigo e me ajudou a elaborá-la de algum modo, é o primeiro prêmio”, declara o doutorando. Mesmo assim, diz que “é uma satisfação gigante ligar para Jade e contar o sentido que o nosso trabalho ganhou e, por isso, foi homenageado”.
O pesquisador destaca a importância da UnB em sua caminhada, pela abertura da Universidade para que a questão das pessoas travestis quilombolas fosse abordada no estudo. “O Programa de Pós-Graduação em Direito deu um espaço fundamental para pensar o direito pelas perspectivas de gênero e sexualidade não normativas a partir de outros chãos”, afirma. Ele completa: “Senti a importância de ter um tema, uma trajetória e, sobretudo, uma perspectiva plural, tão necessária para nossos tempos, sendo homenageada”.
OUTROS PRÊMIOS – Além de Lourival de Carvalho, outros três membros da comunidade acadêmica da UnB conquistaram premiações. O doutorando em Antropologia Marcelo Camargo foi o vencedor do Prêmio Direitos Humanos para papers na categoria GT, com o trabalho Política migratória em São Paulo: haitianos e a história racial da capital.
>> Acesse a lista dos premiados
Já a docente Carla Teixeira, do Departamento de Antropologia (DAN), recebeu menção honrosa no Concurso Brasileiro Anpocs de Obras Científicas, Teses e Dissertações em Ciências Sociais com o livro Ipea – etnografia de uma instituição: entre pessoas e documentos, escrito junto com o professor Sérgio Castilho, da Universidade de Federal Fluminense (UFF).
Soraya Fleischer, também professora do DAN, foi o primeiro lugar na categoria Docente do Prêmio Anpocs de Divulgação Científica em Ciências Sociais, com o podcast Mundaréu, coordenado em parceria com Daniela Mânica, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Confira a cerimônia de premiação:
*estagiária de Jornalismo na Secom/UnB.
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